28 de setembro de 2009

Vazio vs Razões


Hoje estou abalada, perturbada, por muito que tente e já estive a dar voltas não vou conseguir plasmar aquilo que me vai na cabeça, que se remove dentro...
Tive uma má noticia quase acabar de acordar, alguém que conhecia deixou-nos por decisão propria... Esse paso que para os que cá ficamos sempre é dificil de entender, digerir e que entre outras coisas é sempre como um tsunami que nós faz pensar em tudo e mais alguma coisa... E não sabemos bem porque, mesmo que essa pessoa não pertença ao nosso circulo mais intimo, ficamos sempre com a sensação de ter deixado tinta no tinteiro e uma palavra por dizer.

Hoje só me sai escrever isto:

Temos memória, temos amigos,
temos os comboios, o riso, os bares,
temos a duvida e a fé, sumo e sigo,
temos hoteis, antros, altares.

Temos urgencias, amores que matam,
Temos silêncio, tabaco, razões,
Temos Veneza, temos Manhattan,
Temos cinzas de revoluções.

Temos sapatos, orgulho, presente,
Temos costumes, pudores, ofegos.
Temos a boca, temos os dentes,
saliva, cinismo, loucura, desejo.

Temos o sexo, o rock e a droga,
os pés no barro e o grito no céu,
Temos Kafka, Cervantes, Joyce,
e um business pendente com Pedro Botero.

Mais de cem palavras, mais de cem motivos,
para não cortar de um golpe as veias,
mais de cem pupilas onde ver-nos vivos,
mais de cem mentiras que valem a pena.

Temos um ás escondido na manga,
temos nostalgia, piedade, insolência,
freiras de Fellini, padres de Berlanga,
veneno, resaca, perfume, violência.

Temos um tecto com livros e beijos,
temos morbosidade, os ciúmes , o sangue,
temos o nevoeiro metido nos ossos,
temos o luxo de não ter fome.

Temos calcanhar de Aquiles sem fundo,
roupa de domingo, nenhuma bandeira,
nuvens de verão, guerras de Macondo,
cogumelos em novembro, febre de primavera.

Parques, revistas, saguão , pistolas,
que importa, desculpa, até sempre,
claque do atleti, gángsters de Coppola.

Temos o mal da melancolia,
a sede e a raiva, o ruido e as nozes,
temos a água e, duas vezes por dia,
o santo milagre do pão e os peixes.

Temos lolitas, temos donjuanes,
Lennon e McCartney, Gardel e LePera,
temos horoscopos, Biblia e Corão,
ramblas na lua, virgens de cera.

Temos naufragios sonhados em praias,
de ilhotas sem nome, nem lei, nem rutina,
temos feridas, temos medalhas,
louros de glorias, coroas de espinhos.

Temos caprichos, bonecas inchavéis,
anjos caidos, barquinhos de vela,
pobres requintados, ricos miseravéis,
fada dos dentes, dores de mós.

Temos projectos que murcharam,
crimes perfeitos que não cometemos,
retratos de namoradas que nos esqueceram,
e uma alma em oferta que nunca vendemos.

Temos poetas, pedrados, canalhas,
Quixotes e Sanchos, Babel e Sodoma,
avós que sempre ganham batalhas,
caminhos que nunca levavam a Roma....


"Más de cien mentiras -Joaquín Sabina in Esta boca es mia (1994)"

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